sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Completamente

"No "Hamlet", há uma parte de que gosto imenso: o Hamlet vai ao cemitério e o coveiro está a abrir a cova que vai ser para a Ofélia e saem duas ou três caveiras, uma delas do Yorick. Que é o bobo da corte, que tinha andado com o Hamlet às cavalitas. Se era só um confronto com a extinção de alguém de quem o Hamlet gostasse muito, aquela caveira podia ser de uma ama ou de um tio - já que os pais não lhe ligavam grande coisa, pelos vistos. Mas o Shakespeare escolhe o bobo da corte e eu acho que não é por acaso. A última coisa que ele diz à caveira é: "Diz as coisas que tu dizias antes, que faziam rir uma mesa inteira. Vai ter a com a minha senhora e diz-lhe que, por muita maquilhagem que ponha na cara, vai acabar por ficar como tu estás agora. Fá-la rir disso." Isso é a minha epígrafe. Acho que o nosso trabalho é justamente esse: fazer as pessoas rirem-se da morte. No fundo, cada gargalhada que a gente dá é uma gargalhada contra a morte. Isso acho espantoso. "
Ricardo Araújo Pereira numa entrevista a Kathleen Gomes no suplemento Ípsilon, do jornal Público.