segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Nada de nortadas, mas...

"Não me esqueço do ar contristado de Jorge Sampaio, por ocasião da inauguração da Casa da Música, em Abril de 2005. Tinham-lhe dito, e naturalmente era verdade, que a empreitada sofrera inexplicáveis derrapagens. O seu discurso, apesar de cuidadoso como convinha à circunstância, recordaria que "o caminho foi acidentado e nem sempre constituiu um exemplo a seguir. Houve demasiados atrasos, conflitos e polémicas malsãs, desperdiçaram-se muitas energias e recursos, num país que não os tem em abundância". Esse justo e avisado comentário bastou para que, nos dias seguintes, os fóruns matinais das rádios fossem fustigados por uma enorme comoção. Não consegui perceber em que é que o custo do "cometa" divergira da tradição nacional e lembrei, nessa altura, o célebre comentário de Eça: "Quando se soube que o Porto dava esta grande festa, Lisboa teve um estremecimento de cólera, teve a tradicional, a costumada inveja." Por esses tempos, já o ministro Mário Lino concluíra que as obras do Metro do Porto estavam a custar muito caro. Mais uma vez, toda a gente concordou que havia falta de rigor. Denunciou-se o novo-riquismo da inserção urbana do Metro à superfície. Falou-se de derrapagens nas contas e de erros técnicos. Apontou-se o dedo aos autarcas que se tinham imiscuído na sua gestão e caucionou-se assim a submissão da empresa e a governamentalização do projecto. Há dias, o Governo garantiu que a ligação por TGV do Porto à Galiza é inviável do ponto de vista financeiro e que só será executada graças à sua generosidade, ainda que numa versão minimalista. Ninguém questionou a viabilidade do troço português da linha Lisboa-Madrid, ou perguntou se os estudos de procura, que tomaram por base um preço de bilhete que é um múltiplo das passagens aéreas oferecidas pelas low cost, ainda são credíveis. Neste caso, estamos perante um desígnio nacional e uma questão de soberania que, tal como a esquadrilha de F-16, não é suposta dar lucro. É à luz desse desígnio que têm decorrido as obras na linha azul do Metro, no Terreiro do Paço. Dez anos depois, o túnel de 2025 metros que deveria custar 165 milhões de euros ficará, afinal, por 299, ou seja, a módica quantia de 1500 euros por centímetro ou, se preferirem, 30 euros per capita. Mário Lino explica que se trata de uma obra de grande "sensibilidade". Faltou-lhe dizer que, finalmente, até os fenómenos foram centralizados. Dantes aconteciam no Entroncamento mas agora ocorrem na capital e debaixo das secretárias dos governantes. Só assim se explica o misterioso desvio de cursos de água subterrâneos por causas naturais, que foram os únicos culpados da derrapagem no tempo e nas contas como explicou o presidente do Metro. Sugiro que, para memória futura, as paredes da nova estação sejam decoradas com a frase de Lavoisier segundo a qual "na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma". É isso que se passa na obra pública, em que o dinheiro dos nossos impostos é desbaratado impunemente mas não se perde, porque é transformado nos fabulosos lucros de alguns."
Rui Moreira, Público